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sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O PROFESSOR NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA:UM TRABALHADOR DA CONTRADIÇÃO

Esse é um texto muito bom que fala sobre a docência na atualidade. O autor discursa sobre as contradições existentes na atuação do professor na sociedade e na escola hoje. Muitos docentes se identificarão nesta leitura.

Não vou postar o texto aqui por ser muito extenso, mas ele pode ser visualizado no link abaixo, nas páginas 17 à 31 deste artigo. A seguir, alguns trechos que achei interessante:



(...) Hoje em dia, o professor já não é um funcionário que deve aplicar regras predefinidas, cuja execução é controlada pela sua hierarquia; é, sim, um profissional que deve resolver os problemas. A injunção passou a ser: “faça o que quiser, mas resolva aquele problema”. O professor ganhou uma autonomia profissional mais ampla, mas, agora, é responsabilizado pelos resultados, em particular pelo fracasso dos alunos. Vigia-se menos a conformidade da atuação do professor com as normas oficiais, mas avaliam se cada vez mais os alunos, sendo a avaliação o contrapeso lógico da autonomia profissional do docente. Essa mudança de política implica numa transformação identitária do professor.

Para resolver os problemas, o professor é convidado a adaptar sua ação ao contexto. A escola e os professores devem elaborar um projeto político-pedagógico, levando em conta as características do bairro e dos alunos, mobilizar recursos culturais e financeiros que possibilitem melhorar a eficácia e a qualidade da formação, tecer parcerias, desenvolver projetos com os alunos etc. Essas novas exigências requerem uma cultura profissional que não é a cultura tradicional do universo docente; o professor, que não foi e ainda não é formado para tanto, fica um pouco perdido.

O professor deve, agora, pensar de modo, ao mesmo tempo, “global” e “local”. Há de preparar os seus alunos para uma sociedade globalizada e, também, de “ligar a escola à comunidade”. (...)

(...) O professor é uma figura simbólica sobre a qual são projetadas muitas contradições econômicas, sociais e culturais. Contudo, seria um erro considerar que as contradições enfrentadas pela professora, no cotidiano, são um simples reflexo das contradições sociais. A situação é mais complexa. Existem tensões inerentes ao próprio ato de educar e ensinar. Quando são mal geridas, essas tensões viram contradições, sofridas pelos docentes e pelos alunos. Os modos como se gerem as tensões e as formas que tomam as contradições dependem da prática da professora e, também, da organização da escola, do funcionamento da Instituição escolar, do que a sociedade espera dela e lhe pede. Portanto, as contradições são, ao mesmo tempo, estruturais, isto é, ligadas à própria atividade docente, e sócio-históricas, uma vez que são moldadas pelas condições sociais do ensino em certa época. São essas tensões e contradições, na sua dupla dimensão, que tentarei analisar aqui. (...)

(...) Só pode aprender quem desenvolve uma atividade intelectual para isso e, portanto, ninguém pode aprender no lugar do outro. Às vezes, quando um aluno não entende as explicações da professora, esta gostaria de poder entrar no seu cérebro para fazer o trabalho. Mas não pode: por mais semelhantes que sejam os seres humanos, são também singulares e, logo, diferentes. Quem aprende é o aluno. Se não quiser, recusando-se a entrar na atividade intelectual, não aprenderá, seja qual for o método pedagógico da professora. Nesse caso, quem será cobrado pelo fracasso? O próprio aluno, mas igualmente a professora. Em outras palavras, o aluno depende da professora, mas, também, esta depende daquele.

Sendo assim, permanentemente, ela deve pressionar o aluno, negociar, procurar novas abordagens dos conteúdos ensinados, adaptar o nível da sua aula, sem por isso renunciar à transmissão do saber. Existe, portanto, uma tensão inerente ao ato de ensino/aprendizagem. Quando o aluno não consegue aprender, sempre chega um momento em que é difícil não levantar a questão de saber de quem é a culpa. Do aluno, que é burro, ou da professora, que não sabe ensinar? Não é apenas um problema pedagógico; é o valor pessoal e a dignidade de cada um que está em jogo.

Trata-se de uma tensão, e não de uma contradição, mas sempre a tensão pode gerar contradição e conflito. Com efeito, em tal situação, logo a professora ultrapassa os limites da pressão pedagógica legítima e, irritada, recorre a meios que ferem o direito do aluno a ser respeitado. O aluno, por sua vez, não deixa de se vingar da humilhação provocada pelos xingamentos e castigos e pelo próprio fracasso em aprender. (...)

(...) Ensinar é, ao mesmo tempo, mobilizar a atividade dos alunos para que construam saberes e transmitir-lhes um patrimônio de saberes sistematizados legado pelas gerações anteriores de seres humanos. Conforme os aportes de Bachelard, o mais importante é entender que a aprendizagem nasce do questionamento e leva a sistemas constituídos. É essa viagem intelectual que importa. Ela implica em que o docente não seja apenas professor de conteúdos, isto é, de respostas, mas também, e em primeiro lugar, professor de questionamento. Quanto aos alunos, às vezes, andarão sozinhos, com discreto acompanhamento da professora e, outras vezes, caminharão com a professora de
mãos dadas. O mais importante é que saibam de onde vêm, por que andam e, ainda, que cheguem a algum lugar que valha a pena ter feito a viagem. (...)

(...) A “violência escolar” é um dos maiores problemas que os professores devem enfrentar hoje em dia. De fato, essa expressão genérica remete a fenômenos bastante diferentes: agressões físicas, ameaças graves, pequenas brigas, assédio, palavras racistas, indisciplina escolar, indiferença ostentatória para com o ensino e a vida escolar oficial, incivilidades etc. Mas não se pode negar que a transgressão das normas esteja acometendo a escola contemporânea, bem como a família e, de modo mais amplo, a sociedade. Em face desse problema, multiplicam-se os apelos para restaurar a autoridade (versão de direita) ou para educar os jovens à cidadania (versão de esquerda).

Os professores gostariam de restaurar a autoridade. Mas
resta saber como...

No Brasil, historicamente, a autoridade foi definida pelas relações de força impostas pela escravidão, o coronelismo, a ditadura populista ou militar. Nos dias atuais, para muitos jovens, ela toma a forma da arbitrariedade e da violência policial. Não se trata, evidentemente, de promover esse tipo de autoridade, mas uma autoridade legítima. Qual pode ser, ao ver dos jovens, o fundamento de tal autoridade? A idade? Claro que não. A sociedade contemporânea valoriza a juventude, que os adultos procuram prolongar a todo custo, e não gosta dos jovens, a quem ela fecha as portas do mercado de trabalho e culpa por todos os males do mundo. Não há pior mistura para desvalorizar os adultos e, portanto, a autoridade adulta, aos olhos dos jovens. (...)

(...) Além dessa relação antropológica, quem leu Freud sabe
que se desenvolvem, também, relações afetivas entre professores e alunos, inclusive relações implicitamente e, na maioria das vezes, inconscientemente, sexualizadas. Vale notar, por sinal, que as professoras, sustentando a idéia de que “se deve amar os alunos”, silenciam essa dimensão da relação. Essas relações afetivas, porém, podem ser positivas ou negativas. Além disso, constituem um fato, e não uma obrigação. Um professor não tem obrigação afetiva alguma para com os alunos. Deve respeitar a sua dignidade, deve fazer tudo o que puder para formá-los; não é obrigado a “amá-los”. Não se pode assentar a escola democrática sobre sentimentos. A escola democrática é aquela onde o professor ensina e educa todos os alunos, incluídos os de quem não gosta e os que não gostam dele. Claro que a situação é melhor quando professor e aluno gostam um do outro, mas isto não é obrigação nenhuma, nem fundamento da escola. A escola não é lugar de sentimento, mas lugar de direitos e deveres. Essa escola é que pode ensinar a cidadania. Se uma professora, além de ter de gerir e superar todas as tensões e contradições que mencionei, tiver, ainda, de lidar com as ambivalências do sentimento, tornar-se-á, sim, heroína ou vítima.
(...)

Esse texto está disponível, em sua íntegra, no seguinte endereço eletrônico: http://www.revistadafaeeba.uneb.br/anteriores/numero30.pdf



Texto de Bernard Charlot, Doutor e Livre-Docente em Ciências da Educação. Professor Emérito da Universidade de Paris 8. Professor-Visitante no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Sergipe, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Educação e Contemporaneidade (EDUCON).




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